Enquadramento
O percurso de Portugal na economia circular tem sido feito lado a lado com o da União Europeia. Em dezembro de 2015, a Comissão Europeia (CE) adotou o primeiro “Plano de Ação para a Economia Circular”, com objetivo de estimular a transição da Europa para uma economia mais circular.
Influenciado por esta estratégia, Portugal marcou a sua posição face ao tema em Dezembro de 2017, com uma estratégia nacional para a economia circular, através do plano “Liderar a Transição – Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal (PAEC)”, aplicado no período de 2017-2020.
Em Março de 2020, a CE adotou o “Novo Plano de Ação para a Economia Circular”, que constitui um dos principais alicerces do Pacto Ecológico Europeu, o novo roteiro da Europa para o crescimento sustentável. A atualização do PAEC ainda não foi concretizada, mas prevê-se que em breve haja novidades neste sentido.


Objetivos para os quais o PAEC contribui, em Portugal
Este plano (2017-2020) não estabelece metas específicas, uma vez que pretende contribuir para a concretização de objetivos definidos em diferentes planos e estratégias que concorrem para o mesmo fim, por exemplo os objetivos e metas dos planos de resíduos, da ação climática, do Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Contudo, para que todos possuam um mesmo referencial, onde Portugal ambiciona chegar em 2020 e 2030, identificaram-se objetivos macro a ter como referência neste primeiro período do plano, acompanhados por indicadores a quantificar para que se possam monitorizar os progressos alcançados:
- Valorizar o território (Indicador – ex.: reduzir o consumo de energia primária)
- Promover a eficiência do uso de recursos (Indicador – ex.: aumentar a incorporação de resíduos na economia)
- Contribuir para a sustentabilidade (Indicador – ex.: aumentar a eficiência hídrica)


Os eixos de atuação
As iniciativas desenvolvidas são enquadradas de forma a haver interação entre os agentes do governo (instituições públicas) e os agentes de operacionalização (empresas, municípios, consumidores). Apresenta sete ações macro que são concretizadas por ações dinamizadas à escala setorial e regional:
- Desenhar, reparar e reutilizar
- Incentivar um mercado circular
- Educar para uma economia circular
- Alimentar sem sobrar
- Nova vida aos resíduos
- Regenerar recursos: água e nutrientes
- Investigar e inovar para a economia circular
Para as agendas setoriais são apresentadas orientações e sugestões para os seguintes setores: construção, compras públicas, turismo, têxtil-calçado e distribuição e retalho. A nível micro, as principais orientações focam-se nas simbioses industriais, nas cidades circulares e nas empresas circulares.


A Iniciativa Nacional de Cidades Circulares – InC2
A título de exemplo, a InC2 é um dos instrumentos de implementação do PAEC e é um programa do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, gerido pela Direção-Geral do Território e financiado pelo Fundo Ambiental. Visa contribuir para melhorar as condições das práticas de planeamento participativo local e de aprendizagem em rede para a economia circular e tem 4 objetivos:
- Capacitação: envolve a aquisição de competências pelas cidades;
- Capitalização: potencia o conhecimento, resultados e relações institucionais gerados;
- Comunicação: sensibiliza para a economia circular urbana;
- Assistência técnica: garante a execução material e financeira de forma eficiente e eficaz
A iniciativa é constituída por quatro redes de cidades circulares, as quais abordam quatro temas prioritários:
- R2CS – Rede para a construção circular e sustentável – tema ‘Urbanismo e Construção’
- CircularNet – Plataforma para a circularidade: Comunidade, Empresas e Ambiente natural – tema ‘Economia Urbana para a Circularidade’
- RURBAN Link – Ligações Circulares entre áreas urbanas e rurais – tema ‘Relações Urbano-Rurais’
- CApt2 (Circularidade da Água – por todos e para todos – tema ‘Ciclo Urbano da Água’
Uma outra das ações concretizadas no âmbito do PAEC foi o Portal ECO.NOMIA, um site que agrega informação sobre a economia circular em Portugal. Pode ser consultado em https://eco.nomia.pt/.
Legislação no âmbito dos PAEC
Várias diretivas europeias desenvolvidas no âmbito dos planos de economia circular da Comissão Europeia, têm vindo a ser transpostas na lei portuguesa, entre as quais:
• Decreto-Lei n.º 102-D/2020: estabelece o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos
• Várias leis relacionadas com os plásticos de utilização única (compiladas pela Agência Portuguesa do Ambiente e que podem ser consultadas aqui)
Como mensurar a transição circular?
A União Europeia (UE) estabeleceu 10 indicadores para monitorizar a evolução da economia circular, os quais estão divididos em quatro áreas temáticas e que envolvem a produção e consumo, a gestão de resíduos, a reutilização de materiais e a competitividade e inovação.
A título de exemplo, segundo a PORDATA, em Portugal, na questão da produção de resíduos, a tendência tem sido de aumento, a qual não é compensada pelos níveis de reciclagem. Em 2019, a produção de resíduos municipais em Portugal foi muito inferior à média europeia, no entanto a nossa taxa de reciclagem de resíduos municipais ficou em 28,9% (47,7% na UE), em contraste com a Alemanha, que apesar de ter a maior taxa de produção de resíduos municipais é também a vencedora na reciclagem dos mesmos (67,7%).
Para as matérias primas secundárias, desde 2017, a tendência é positiva, mas, em 2019, a taxa de utilização de material circular em Portugal foi de 2,3%, abaixo da média europeia (11,8%), e longe do valor atingido pelo país com a maior percentagem de reutilização de matérias-primas, os Países Baixos (30%).


Recentemente, numa colaboração da LIPOR com a EY-Parthenon, foi realizada uma revisão dos atuais indicadores de economia circular e sugerem um conjunto mais amplo dos mesmos e adaptado àquilo que é a realidade atual, ao mesmo tempo que os mantêm diretos e simples. Este é um documento importante para melhorar as estatísticas e os métodos de monitorização atualmente existentes em Portugal e na UE. Estes indicadores cobrem cinco domínios:
- Macro (ex.: Emissão de GEE (total, por setor industrial e per capita) e Fração de projetos de reabilitação no número total de obras licenciadas)
- Empresas e outras organizações (ex.: Número de produtos e serviços com rótulos e declarações ambientais e Despesa em I&D dos setores económicos relacionados com a economia circular)
- Setor público (ex.: Despesa pública consolidada em ambiente (valor e peso no total e Investimento público em áreas ligadas à economia circular)
- Indivíduos e famílias (ex.: Despesas familiares c/ transporte partilhado e Despesa familiar em manutenção e reparação)
- Gestão de resíduos (ex.: Taxa de entrada de reciclados e Fração dos resíduos urbanos preparados para reutilização e reciclagem)
Pode consultar o documento completo aqui.


O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a economia circular
O PRR está enquadrado no instrumento estratégico “Next Generation EU”, do Conselho Europeu, de mitigação dos impactos da pandemia nas economias europeias e constitui um instrumento nacional, a executar até 2026, que contempla um conjunto de reformas e investimentos que permitirão ao país retomar o crescimento económico sustentado, reforçando o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década. Está organizado em 3 dimensões (Resiliência, Transição Climática e Transição Digital) e 20 componentes que integram, por sua vez, um total de 37 Reformas e de 83 Investimentos.
A Transição Climática conecta-se com o Pacto Ecológico Europeu e com a Lei Europeia do Clima, e resulta do compromisso e contributo de Portugal para o alcance da neutralidade carbónica até 2050. Esta dimensão (que concentra 18% do montante global do PRR) agrega 6 componentes e 8 reformas focadas, globalmente, na redução das emissões de carbono dos setores mais relevantes (mobilidade, indústria, mar e património edificado) e numa maior incorporação de energia de fontes renováveis.
Apesar de não haver uma componente para a economia circular, esta está concretizada de modo mais global na dimensão Transição Climática, que refere a promoção do “melhor aproveitamento dos recursos de que o país já dispõe, o estímulo da investigação e da inovação e a aplicação de tecnologias de produção e consumo de energia mais eficientes como principais vias de ação. Para além disso, há duas componentes cujas reformas estão diretamente ligadas à economia circular:
- Na Descarbonização da Indústria (C11), as reformas “promovem a economia circular na indústria, através da promoção da economia circular e de baixo carbono, de simbioses industriais e de novos produtos e serviços circulares e de baixo carbono”;
- Na Bioeconomia Sustentável (C12) as reformas pretendem desenvolver a bioindústria circular e sustentável, através de inovação na cadeia de valor e nos processos.
Ainda assim, todas as outras reformas e investimentos estão alinhadas com a transição circular, mesmo nas restantes dimensões, por exemplo nas componentes “Empresas 4.0 (C16)” – Transição Digital – e “Capitalização e Inovação Empresarial (C5) – Resiliência”.


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